#FreeBritney do patriarcado

Tatá Lopes
3 min readMar 23, 2021

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Uma jovem talentosa é alçada repentinamente à fama, mas não aguenta a pressão da vida de celebridade e sucumbe às drogas.

O roteiro a gente já conhece. Aconteceu com Britney, Demi Lovato, Whitney Houston, Amy Whinehouse. A fama pode ser cruel. Mas, precisamos dar nome ao que de fato domina o mundo da fama e dinheiro: o patriarcado. Ele não perdoa mulheres poderosas, dificulta o máximo a ascensão da mulher ao poder. Ocupar o olimpo das Deusas, lugar onde elas mereceriam estar, são para as fortes. Para as muito fortes. Pois afinal de contas, mulheres não podem fraquejar. Para o presidente, por exemplo, mulheres já são a própria fraquejada.

Britney começou a trabalhar ainda criança, e, com talento e carisma inegáveis, chegou ao topo das paradas de sucesso mundial. Mas, por mais que a gente ame dançar "Oops, I did it again", é inegável perceber ali o apelo ao fetiche masculino: a colegial inocente, a fantasia de qualquer homem, do jovem ao marmanjo de meia-idade, pela conquista do fruto proibido — a sacra virgindade. E por algum tempo, essa foi a obsessão da mídia. Mas isso não é exclusividade do homem branco tosco americano. Ou ninguém se lembra da obsessão da mídia brasileira na pureza ou não da cantora Sandy?

Que tesão é esse na virgindade alheia?

Ora, eles precisam saber se o produto que eles compram foi mexido ou continua lacrado. Ninguém vai querer comprar algo usado.

Britney começa a namorar um outro jovem cantor famoso. A América necessitava de um casal pra chamar de seu e lá estavam eles: loiros, brancos, jovens, talentosos, carismáticos. Mas o casal não dá certo e frustra uma sociedade em que só o sucesso importa: seja o profissional ou o êxito de um casal adolescente. E de quem foi a culpa pelo sonho americano não dar certo? É claro, da mulher. Britney é alvo então de mais uma narrativa cruel: ela traiu o pobre menino rico Justin Timberlake. Por que perdoá-la? Ela não merece a compaixão do mercado, mesmo que ela ajude a roda do capitalismo funcionar. E quem manda no capital? O patriarcado.

A jovem sofre todas as pressões possíveis mas não deixa de trabalhar. Em entrevistas é nítido ver a sua debilidade emocional. Ela conhece um novo amor. Se casa. Tem filhos. E aí mais uma vez é exposta ao mundo como uma péssima mãe. Imagina, como uma mulher, que se expõe em seus clipes de cunho abertamente sexual, pode ser uma boa mãe? Uma puta não pode saber lidar com a maternidade! Tiram uma foto dela dirigindo com o seu bebê no banco da frente do carro. Pensem se fosse o Justin na mesma posição. Ele estaria apenas ensinando o recém nascido a dirigir, ora.

E de novo o patriarcado é implacável.

Britney se separa logo após o segundo filho. Começa a sair para baladas com amigas. Mas como assim? Uma mãe de dois filhos deveria estar em casa dando de mamar, com olheiras, descabelada, e não maquiada e linda, querendo se divertir. Mães só são autorizadas a serem felizes com as risadas gostosas de seus rebentos. A mídia — também controlada por homens brancos — mais uma vez a detona. Não pode. Mulher não pode se dar o direito de ser qualquer coisa que não mãe, nem por uma noite. Britney tem a tutela dos seus filhos dada de forma integral ao ex marido, Kevin Federline.

E ela surta.

Mas quem não surtaria?

Daí pra frente começa uma briga por sua tutela. Afinal de contas, uma mulher jamais conseguirá sair do poço que entrou (por sua conta e risco, óbvio), sem a ajuda de homens que possam cuidar de suas finanças e vida pessoal. Homens são capazes de tudo por uma mulher, são capazes até de salvá-las de seus próprios infernos pessoais. Seu pai, junto a um advogado, passa a ser seu tutor. Ele isola sua filha, como uma princesa presa num castelo. Talvez mais algum outro homem possa vir salvá-la. Quem sabe um príncipe? Quem sabe um outro Justin?

A gente já viu essa história. Foi assim com Whitney, com Amy… está sendo assim com Britney.

Depois dessa leitura, acho que podemos mudar o logline do nosso filme.

Uma jovem talentosa é alçada repentinamente à fama, mas não aguenta a pressão do patriarcado e sucumbe às drogas.

Libertem Britney.

Libertem Britney do patriarcado.

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