Saudade de ser engraçada, né minha filha?

Tatá Lopes
3 min readApr 2, 2021

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Eu costumava ser uma pessoa engraçada. Aliás, o humor sempre esteve na minha vida desde criança. Meu avô tinha o hábito de gravar as vozes dos netos em fitas cassetes, geralmente em datas especiais, como Natal, Ano Novo, ou alguma caranguejada da família. Nessas recordações, não era supresa que minha irmã Lívia cantasse (ela sempre foi muito afinada), meu irmão Rodrigo contasse alguma história, minha irmã Cíntia chorasse ao fundo, como todo bebê que ainda não consegue se expressar de outra maneira, e eu contasse uma piada.

Mas veja bem: contar piada nunca foi meu forte. Posso dizer com tranquilidade que eu sou uma péssima piadista. Aliás, nessas fitas eu contava sempre a mesma piada. Talvez na esperança de que alguém, algum dia, fosse rir dela. Como nesses filmes em que um homem, num futuro muito distante, acha uma objeto estranho — no caso a tal fita cassete, e a colocasse para tocar como sendo algo muito extraordinário, de uma civilização muito antiga. A surpresa: o primeiro som que se escutaria, seria uma criança contando uma piada ruim. A personagem certamente diria: "bem, sabemos o que pôs fim a essa civilização. Pobre povo que teve que ouvir essa merda".

Mas, apesar dessa ausência do talento como piadista, para azar da geração da família Barros e Lopes, eu nasci com o dom do humor. Eu consigo fazer rir e, como todo humorista, eu sou uma excelente mau humorada.

Eu posso dizer que fazer rir é o que me sustenta. Na prática, com o meu salário que pinga muito bem todo o mês, e também na cuca. O humor sempre foi meu escudo de defesa para qualquer coisa que pudesse me fazer mal: levei um toco do boy? Toma fazer graça. Me passaram a perna? Toma piada pra deixar de ser idiota. Morreu alguém que amava? Bora juntar as irmãs e ir pro enterro gargalhar, mesmo que os olhares reprovadores dos familiares nos ataquem mais uma vez.

Eu não lembro exatamente a primeira vez que alguém riu de algo que eu falei, mas a sensação de receber o aplauso do comediante — a risada — era a melhor coisa que eu já havia senti na vida. Melhor que carinho de mãe, melhor que ganhar brinquedo dos avós, melhor que receber o beijo do primeiro amor: fazer rir era o meu melhor remédio.

Foi quando eu resolvi que queria sentir aquilo pra sempre. Aquela sensação de pertencimento no mundo: se riram de mim, do que eu falei, é porque me amam de verdade. Pessoas conseguem esconder seus sentimentos. Esconder uma risada, é impossível.

Eu fiz rir algumas memoráveis vezes da minha vida. Com as minhas escritas, no palco e algumas vezes em postagens em redes sociais. Pra mim, fazer rir é como ganhar um prêmio todos os dias, é o que sustenta meu fiapo de autoestima, é o que não me deixa olhar na cara da minha analista e dizer: "eu só estou aqui pelo dinheiro, digo, desperdício de dinheiro". Afinal de contas, quer coisa mais engraçada do que você falar com uma pessoa durante uma hora e ela só te responder com perguntas, e você ser idiota o bastante para pagar caro por isso?

Mas…

(Sempre tem um mas…)

Eu não tenho feito ninguém rir. Não tenho tido vontade de rir. Penso todos os dias se estou perdendo o único dom que tinha certeza que me acompanharia até a morte. Parece que fazer rir tem perdido espaço para o "sobreviver", para o "respirar", para o "lamentar".

E pela primeira vez eu não consigo rir da morte. Pela primeira vez, eu e minhas irmãs não conseguimos achar graça da loucura que é você um dia estar falando e rindo, e depois estar deitado numa caixa de madeira com um monte de gente em volta.

A morte deixou de ser engraçada pra mim. Me preocupa se não está chegando a minha hora de pensar que rir, já também não tem mais graça nenhuma.

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